martes, 27 de abril de 2010

Tudo indica que Zapatero será o vencedor nas eleições na Espanha / Francisco Poveda *

A qualidade das relações da União Européia e a América Latina em plena segunda grande emancipação estará em jogo no próximo dia 9 de março com as eleições gerais na Espanha. Também, e não menos importante, está em jogo o prolongamento da atual "lua-de-mel" ibérica com Portugal, especialmente intensa desde a chegada ao poder do socialista José Sócrates, por sua maior sintonia geracional e ideológica com Zapatero em um momento de forte dependência econômica lusa de seu grande vizinho peninsular.

Há apenas 15 meses, o atual presidente do governo espanhol foi ungido pelas urnas por seus feitos, otimismo contagioso, ideais, princípios e método de contrastar sempre opiniões diversas. Mas hoje as pesquisas mostram um empate técnico, com uma ligeira vantagem a favor de quem o prestigiado jornal britânico "The Times" considerava então o líder social-democrata e político mais valorizado da União Européia por causa da confiança e convicção que transmite.

Os primeiros efeitos nefastos sentidos pela crise do esgotado, por ser muito desequilibrado, modelo econômico herdado de Aznar e o ruidoso fracasso das negociações de seu governo com o bando terrorista basco ETA, assim como se sucedeu com outros governos democráticos anteriores, consumiram em muito pouco tempo grande parte do capital político acumulado por Zapatero com a aprovação de 150 leis sociais para a modernização da Espanha desde sua inesperada chegada ao Palácio de La Moncloa, em abril de 2004, após o erro de Aznar de entrar na guerra no Iraque.

A guinada rumo a uma extrema direita sectária do hoje grande partido de oposição, o Partido Popular, longe de facilitar as coisas para Zapatero, produziu na última Legislatura, ao não assimilar ou assumir sua derrota eleitoral de 2004, uma forçada e crescente polarização na sociedade espanhola. Por meio do recurso nada ético de assustar, exagerar e anunciar o cataclismo, ela faz lembra um dos piores tempos da história contemporânea da Espanha pelas conspirações e usurpadas bandeiras nacionais que agitam nos últimos 36 anos após o fim da ditadura militar. Até a Igreja Católica se juntou como aliada, com grande veemência e ativismo político, à resistência às mudanças sociais implantadas por Zapatero pelo seu temor de que elas tragam uma inevitável "secularização" da vida civil espanhola, com a conseqüente perda de sua influência sobre os fiéis em pleno (e teórico) choque de civilizações de crenças monoteístas.

A previsível ascensão política de Berlusconi na Itália e, agora, as maiores chances de Rajoy na Espanha soaram os alarmes em Bruxelas. O coração da União Européia, onde a duradoura aliança tácita de moderados, liberais e sociais-cristãos procura estabilidade, segurança e riqueza, volta-se agora para Madri e Roma com certa inquietude diante do avanço de forças "eurocéticas" ao longo da costa mediterrânea, que se valem de uma retórica catastrofista diante de previsíveis tensões sociais trazidas pelo aumento do desemprego depois de uma década de grande bonança econômica.

A possibilidades eleitorais de um iracundo e distante Rajoy frente a um Zapatero tranqüilo, próximo e satisfeito se vêm prejudicadas pela própria dinâmica de sua estratégia: certa demagogia temperada com meias verdades dentro de um jogo de deslealdade institucional calculada para desgastar seu adversário ainda que a custa de tensionar complexos processos territoriais, dar opções desnecessárias ao terrorismo e molestar os imigrantes, vistos como responsáveis pela criminalidade em ascensão, fazem-no perder toda a credibilidade, aborrecer e descrever uma Espanha em preto e branco muito longe do colorido otimista que almejam até os espanhóis mais imprevisíveis.

Mas a Espanha não se deixa voltar para o passado. Mais de 1 milhão de novos jovens eleitores permitem prever que finalmente Zapatero ("só se pode ganhar se se está da vitória") poderá impor-se por suas atrativas propostas para o futuro do país. Uma pesquisa feita após o primeiro debate na TV com o atual líder oposicionista Rajoy, escolhido a dedo por Aznar como seu herdeiro político, apontou uma maior preferência pela esquerda entre os eleitores de 18 a 55 anos e nas regiões com menor sentimento "espanholista", com exceção da Andaluzia, apesar delas serem onde a grande corrupção estrutural impregnou com desonra a classe política governante.

Com uma crise internacional de previsível grande repercussão por sua profundidade e duração, os poderes de fato que representam na Espanha o capital financeiro e a Coroa veriam com muito mais tranqüilidade uma vitória social-democrata por seus planos por mais direitos civis e de manter dentro dos limites do sistema as ânsias das minorias nacionalistas democráticas da Catalunha, Galícia e País Basco. Mas é a complicada situação social que se aproxima que vai requerer uma atitude política determinada para fazer frente e gestionar processos econômicos que sirvam de paliativos para as conseqüências desta crise sobre a grande maioria da população espanhola, alçada a um artificial nível de vida por créditos de longo prazo e que agora dificilmente poderá manter em razão da perda de empregos. Neste caso, o programa do PSOE encerra um projeto "ad hoc" frente à postura do PP, que não tem planos claros e convincentes para o crescente contingente de pessoas atingidas pela perda de postos de trabalho e patrimônio, que já são efeitos retardados a ausência de um mínimo sentido social nas políticas desenvolvidas por Aznar nos campos de urbanismo e habitação durante seus oito anos de governo (1996 a 2004).

A catarse parece inevitável, apesar da subsistência das lendárias "duas Espanhas". Enquanto os aposentados, especuladores, integristas católicos, altos funcionários, pessoas mais temerosas, inseguras, menos competitivas, os emigrantes na América e os privilegiados desde o Franquismo se identificam mais com a retórica do PP, a esperança que Zapatero vende atrai os jovens em busca do futuro, os empregados qualificados, pequenos empresários, profissionais liberais e quase todos os emigrantes espanhóis na Europa, docentes e estudantes.

Com uma fatia de 20% ainda de eleitores de indecisos, se antes do 9 de março não ocorrer nenhum "choque de trens" que possa subverter a atual tendência, tudo parece indicar que o PSOE revalidará sua atual maioria, inserido na mais pura tradição social-democrata européia. Como no caso de Obama nos EUA, os inovadores, os cientistas e os artistas declararam seu apoio a Zapatero, que deverá permanecer no poder.

(*) Francisco Poveda é jornalista e professor universitário

http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2008/02/29/tudo_indica_que_zapatero_sera_vencedor_nas_eleicoes_na_espanha-426031438.asp

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