martes, 27 de abril de 2010

A união ibérica / Francisco Poveda *

A progressiva integração econômica entre Espanha e Portugal desde 1986, como conseqüência do ingresso de ambos países na Comunidade Econômica Européia (CEE) ao mesmo tempo, e a atual recorrente crise econômica no país vizinho, produto de desajustes estruturais de difícil abordagem, já que alguns vêm dos tempos da ditadura de Salazar, fizeram ressuscitar o iberismo do século XIX pelas mãos de seda tão universais e tão pouco suspeitosas de José Saramago, com a conseqüente reação dos "pais da pátria" portuguesa tão significativos como o ex-presidente Mário Soares, que observa, mas não o deseja por perto por causa de seu nacionalismo subjacente, o passo seguinte no processo.

Mas a intuição de Saramago responde a algo mais que a volta dos lusitanos à situação imediatamente anterior a 1640. A osmose social e econômica na fronteira norte com a Galícia, nos caminhos zamorano, salmantino, pecense ou andaluz, já é total. Faz anos que não existe fronteira porque, "de fato", somos um em dois. O melhor horizonte para as novas gerações portuguesas hoje é muito mais Barcelona ou Madri que Bruxelas ou Paris. A realidade está se impondo à história quando os jovens preferem ouvir falar do futuro que do passado. A Espanha está cheia também de nossos irmãos portugueses. Este é o ponto da questão e não cabe olhar para o outro lado agora que não a certa forma de união política.

Assim como na Espanha (o processo histórico não tem volta e a situação do País Basco e da Catalunha em seu seio provavelmente também vai conhecer outro tipo distinto de dialética de relação com o resto do país porque já não somos a nação imperial que os reis católicos fundaram no século XV), em Portugal (tão nacionalista embora a maioria dos seus habitantes não tenha vivido na época colonial) impõe-se outra realidade das cifras e fórmulas de saída possíveis. Talvez não ideais, mas provavelmente de interesse de todos no atual sentido da História.

A integração econômica, financeira e energética lusa com seu vizinho hispânico já é total e agora, muito mais desde Lisboa do que de Madri, cabe planejar a médio prazo uma união política "sui generis" no marco quase federal que temos ao leste da península, sem que Portugal perca sua identidade, forma constitucional nem status internacional. O rei Juan Carlos, por exemplo, circula entre a classe dirigente da República vizinha tanto ou mais que entre a espanhola, tão pouco monárquica atualmente quanto "juancarlista" desde 1981, apesar das lógicas e desejáveis críticas exceções à regra.

Há até os que chegam a pensar que o processo que se aponta a oeste condicionaria para o bem a futura e incerta relação interior de catalães e bascos com o resto dos espanhóis ao demandarem os portugueses um sistema de associação política que reforçasse a posição geral da Península Ibérica no marco da União Européia, ao mesmo tempo em que esta colocaria no melhor caminho de solução, satisfatória para a Espanha, o contencioso de Gibraltar, consolidando Ceuta e Melilla, e, possivelmente, modificando a favor da península a atual relação jurídica com uma Andorra muito mais catalã que francesa.

Como se vê, tudo está em movimento e olhar para trás, em direção da estéril rivalidade entre castelhanos e portugueses, só pode conduzir a uma paralisação bíblica, quando o certo é que já estamos compartilhando um destino conjunto na Otan, na UE e nas não menos importantes regulares "cúpulas" ibero-americanas há um quarto de século. Ademais, não é nenhum segredo que os espanhóis amam Portugal, começando por mim mesmo, que conheci Lisboa antes de Madri e regresso todos os anos para desfrutar das amizades, natureza e cultura.

Quando Portugal, de tão apenas 10 milhões de habitantes, nota a necessidade inescapável de ser algo mais para deixar de estar a reboque dos "27" e parte de seus intelectuais volta a ver no vizinho a melhor opção possível de associação estratégica para uma maior velocidade dentro dos parâmetros comunitários europeus, uma primeira sugestão de Saramago à idéia de união ibérica fala de um Parlamento conjunto (porque não em Coimbra ou Salamanca?), com representação dos partidos políticos portugueses e espanhóis. E de que adianta manter a identidade e atual organização política da Espanha e de Portugal quando o século XXI colocará os países diante de transformações substanciais dos processos nacionalistas do século XIX e nações irmãs, como México e Brasil, vão ver aumentar sua influência no cenário internacional?

Não é de se estranhar, pois, que os dois Estados modernos mais velhos do mundo (os lusos antes dos hispânicos) tomem a iniciativa e alcancem conjuntamente uma maior dimensão para poder manter a semente que lhes deu sentido existencial há mais de 500 anos, enfrentar mais unidos os desafios constantes da globalização e oferecer as respostas ibéricas que as conseqüências sociológicas e econômicas do avanço vertiginoso das tecnologias da comunicação exigem. Esta é a chave.

(*) Francisco Poveda é jornalista e professor universitário espanhol.

http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2007/08/06/297128272.asp

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